As irmãs gêmeas

Tradução para o português de Noemi Gamboa - clique aqui para ler o texto original em espanhol

Embora a humildade de Pedro Fernandes e a sua vocação pelo estudo científico lhe  impeçam o estudo em seus pormenores o papel das mulheres saramaguianas,  até mesmo as mais básicas, é claro que sua escolha por estas duas grandes figuras – como são Blimunda e a mulher do médico –, impedem que o dado passe despercebido nesta prodigiosa pesquisa, em que, além de priorizar o detalhe faz um mergulho profundo nas suas identidades pessoais, sociais e históricas. Pedro diz isso muito bem quando ele afirma que as mulheres saramaguianas “são dotadas da típica característica feminina do mistério, do indizível da feminilidade. O mistério da mulher, em Saramago, é o resultado não apenas dessa dote feminilizante, mas é o mistério da própria ordem das coisas no mundo” corroborado ainda nessa citação brilhante de José Saramago, onde as identifica como as irmãs gêmeasA outra [Blimunda] vê o que não se vê, vê através da pele, e esta [a mulher do médico vê] o mundo que os outros veriam se não fossem cegos”.

Além de um caminho minucioso na confecção do livro que começa com alguns esclarecimentos conceituais sobre a categoria  “personagem” a que faz dialogar com  seus marcos referenciais, a identidade e a construção do feminino, dando passos precisos, nesta ordem, estes capítulos iniciais do livro vão preparando ao leitor para a terceira seção na qual o pesquisador coleta suas reflexões prévias e as adjunta com as considerações particularíssimas sobre as figuras mais representativas dos romances Memorial do Convento e Ensaio sobre a cegueira. Este último capítulo é de grande ductilidade e convida-nos a permanentes releituras, porque nele, Pedro Fernandes, parece estár possuído (uma influência de Dona Sebastiana?)  pela cirro da palavra e não pela docilidade da caneta. O retrato de Blimunda da primeira seção e, na continuação, o da mulher do médico, excedem muito o tom hierático de um “retrato” para vestir-se de força dramática. Em vez de dar conta do que ele observa – como pesquisador literario – Pedro se impõe na herética intenção de as tornar presenças vivas (não em vão emprega a categoria “personagem” trazendo sua origem  etimológica de “pessoa”) e o faz convencido de que essas duas mulheres, hoje, tem algo a nos dizer. Ao indicar-lhes  a leitura deste livro eu não gostaria de omitir a mesma recomendação que  aparece inscrito no protetor da tela do computador por Pilar del Rio: “Blimunda não se rende” porque é sobre a resistência das mulheres e seus devires do que fala este livro. Os leitores poderam julgar por si mesmos, se eles se animam à aventura da sua leitura.

Dr. Miguel Alberto Koleff
Professor Titular Regular. Literaturas en Lengua Portuguesa. Facultad de Lenguas – Universidad Nacional de Córdoba